(Elisabeth da Silveira Lopes)
Conta-se que, em 1637, quando os bandeirantes de Raposo Tavares devastaram o atual município de Cachoeira do Sul, no Rio Grande do Sul, destruindo todos os aldeamentos indígenas que os Jesuítas haviam fundado, conseguiu sobreviver apenas um jovem índio chamado Tuti.
Desesperado com a perda dos seus pais e de sua morada, Tuti sentava-se à margem do Rio Jacuí e via ali noites e dias nascerem e morrerem.
O índio chorava. Chorava de fome, chorava de dor, e de saudades.
E tudo parecia chorar com ele; o sol era pálido, a noite era negra, as florestas haviam se curvado e as águas endoideceram.
Seis sóis eram passados. Tuti, sentado no mesmo lugar, broqueado de fome e de dor, com a face chicoteada pelo vento e os olhos cravados ao céu, como a pedir clemência, enxergou um vulto.
Neste momento tudo cessou. As águas continuaram enfurecidas, mas em profundo silêncio, o vento adormecera nas moitas e no céu, como que prevendo felicidade, a lua sorria.
Sobre as águas, o vulto aproximava-se de mansinho.
Vulto de mulher, trazia em suas vestes a cor do rio com todos os seus peixes, a cor do céu com suas estrelas, a cor das matas com suas aves.
Trazia o sol em seus cabelos, e seus olhos luziam como diamantes.
Deixando rastros luminosos nas águas enfurecidas do rio, aproximava-se mais e mais, até chegar frente ao índio desconsolado.
Então, falou-lhe:
– Tenho aqui em minhas mãos a semente que saciará a tua fome e de todos que virão.
Tome-as.
Eu as recolhi de tuas próprias lágrimas caídas no rio.
Dizendo isto, o vulto luminoso deixou escorrer de suas mãos uns poucos pingos dourados, os quais o índio, com gestos selvagens, colheu.
O vulto sumiu. Um violento temporal desabou.
O índio de tão fraco desmaiara, apedrejado pelo granizo caído do céu.
E as sementes foram levadas pelas águas.
Após noites e dias de chuva, quando o sol, radiante, voltou, Tuti encontrou uns cachos, já dourados, com as sementes.
Colheu-os, preparou-os e saboreou.
Era uma plantinha frágil, mas que lhe dera muita vitalidade.
Hoje chamamos esta plantinha-ternura de ARROZ.
E para maior mistério, à meia-noite, às margens do Rio Jacuí, há um profundo silêncio, embora as águas desçam endoidecidas.
Isto, talvez, em homenagem à Deusa das Águas, que saciou a fome de Tuti e nos semeou o arroz.
Fonte: Jornal do Povo – 10 e 11/9/2005 – página 13 / http://www.guiacachoeira.com.br/?url=151
Lenda do Arroz: No Oriente
Há muitos e muitos anos havia no Oriente um reinado poderoso sob o governo de um rei magnânimo, sentimental e justo, que amava seu povo e era por ele amado.
A rainha participava dos sentimentos elevados do seu real esposo e era também muito querida por todos pelo seu coração boníssimo, sempre afeito à prática de boas obras.
O rei, um velho chinês, amava de modo especial as crianças e procurava tudo fazer para alegrá-las e vê-las felizes nos seus folguedos e nas suas pequeninas ambições infantis.
E porque adorava as crianças, resolveu um dia adotar uma menina loura, muito meiga e bonita, já que o casal real não possuía filhos e vivia muito triste por esse motivo.
Eles tinham um reino e um palácio maravilhoso, mas faltava-lhes o ruído, a graça e o sorriso de uma criança.
A menina loura, sim, loura porque não pertencia à sua raça, crescia, crescia, e tornou-se uma das jovens mais lindas e admiradas de todo o reino.
Sempre meiga, obediente e companheira amiga de todas as horas de seus velhos pais adotivos, era o encanto e o centro das principais atenções e desvelos do Rei e da Rainha. Lina, como a chamavam, entretanto nunca pode adaptar-se à alimentação que lhe davam.
Embora a contragosto, sempre queixava-se dos alimentos servidos, e o que conseguia comer mal dava para mantê-la de pé, tão fraco era o seu organismo e o seu estado geral, dia a dia, perdendo saúde e resistência.
Como o Rei e a Rainha a amavam profundamente e preocupava-lhes demais o seu estado de fraqueza, fizeram-na Princesa da Corte para alegrá-la, enquanto chamavam a serviço do Rei os melhores cozinheiros então conhecidos, a fim de que dessem à Princesa os alimentos mais raros e apetitosos que fossem de seu gosto.
Os mestres da cozinha esmeravam-se na apresentação dos melhores pratos que podiam imaginar e preparar, mas todos eram recusados por Lina, que não podia adaptar-se ao sistema e ao sabor para ela esquisito, da alimentação oriental.
Não obstante dona do coração e da vontade de seus amados pais, Lina cada vez mais enfraquecia, até que um dia a morte a levou para o outro reino desconhecido.
A morte da moça loura, meiga e bonita, encheu de grande amargura todo Reino e da mais profunda tristeza, inconsolável tristeza, os seus dedicados e amorosos pais.
O Rei, passado algum tempo, e jamais esquecendo sua Princesa loura, agora longe dos seus olhos e dos seus carinhos, tomou as maiores providências para que os cozinheiros, os técnicos em alimentação de todo o Reino, descobrissem um alimento que, pelo seu sabor, pela facilidade de seu preparo, pela abundância de sua colheita, fosse apreciado e preferido por todos e constituísse o alimento primeiro de todas as mesas, o prato favorito, do agrado e do interesse de todas as pessoas e, principalmente, de todas as crianças do mundo.
Era grande a atividade de todos aqueles convocados pelo Rei para a descoberta do alimento ideal.
Mas nada conseguiram, porque os seus conhecimentos eram limitados e só Deus guardava o segredo da natureza.
E o tempo passava e todas as providências se multiplicavam para que a vontade do Rei fosse alcançada.
E o tempo, passava, nada conseguiam os cozinheiros e os técnicos do Rei. E, aos poucos, todas as providências e iniciativas naquele sentido foram sendo abandonadas, enquanto o rei, tristonho e abatido, acompanhava o insucesso e o lento desmoronar de todo o seu sonho.
Mas, um dia, uma notícia alvissareira espalhou-se por todo reino: junto ao túmulo da Princesa Lina, nasceu uma plantinha muito verde, esguia, que cresceu, de tal forma que encheu-se de cachos louros de uma pequena semente, muito branca e muito saborosa, que se tornou o alimento preferido de todos, o “alimento ideal” que o Rei tanto procurava, em memória de sua Princesa adorada.
Essa plantinha era o arroz.
Fonte: Jornal do Povo – 18 e 19 de maio de 1968 – pág.4 – http://www.guiacachoeira.com.br/?url=150